Notificações de Agravos Relacionados ao Trabalho na Região do CEREST Cubatão de 2007 a 2024
INTRODUÇÃO
As notificações de agravos relacionados ao trabalho registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) representam, na saúde pública brasileira, uma das principais ferramentas de monitoramento epidemiológico e de intervenção sobre os riscos ocupacionais que afetam milhares de trabalhadores em todo o território nacional. Na região de abrangência do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Cubatão — que engloba os municípios de Cubatão, Guarujá, Bertioga, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe — o SINAN se configura como base técnica e política para ações de vigilância, prevenção e promoção da saúde dos trabalhadores. Neste contexto, a análise da série histórica de notificações entre 2007 e 2024, assim como os indicadores do Qualifica CEREST referentes ao primeiro semestre de 2025, revelam não apenas o cenário epidemiológico local, mas também os desafios estruturais e as potencialidades da rede de saúde do trabalhador na região.
A obrigatoriedade da notificação está amparada por diversos dispositivos legais, entre eles a Constituição Federal de 1988, que reconhece a saúde como direito de todos e dever do Estado, e a Lei nº 8.080/1990, que estrutura o Sistema Único de Saúde e define como competência do poder público a execução das ações de vigilância epidemiológica e sanitária. Além disso, a Portaria nº 1.061/2022 do Ministério da Saúde estabelece a Lista Nacional de Notificação Compulsória, incluindo diversos agravos relacionados ao trabalho, como acidentes, doenças ocupacionais e transtornos mentais. Normas complementares como a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Portarias nº 2.309/2011 e nº 1.823/2012) e as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho reforçam a responsabilidade dos serviços e profissionais de saúde em identificar, registrar e notificar os agravos relacionados ao trabalho. Desse modo, a notificação deixa de ser um simples ato burocrático e passa a ser compreendida como um compromisso ético e técnico com a proteção da vida, com a prevenção do adoecimento e com a formulação de políticas públicas informadas por evidências concretas.
As notificações registradas no SINAN permitem à Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) mapear os principais riscos ocupacionais, identificar setores produtivos de maior periculosidade, localizar grupos populacionais mais vulneráveis, além de subsidiar ações intersetoriais envolvendo a assistência em saúde, a inspeção do trabalho, o Ministério Público do Trabalho e o sistema de seguridade social. Sem notificações qualificadas e sistemáticas, a VISAT se torna fragmentada, cega e reativa, perdendo sua função essencial de antecipação, prevenção e intervenção estruturante nos territórios. Além disso, os dados do SINAN possibilitam o monitoramento longitudinal das políticas públicas, o dimensionamento dos agravos subnotificados, a orientação de campanhas de educação permanente e a priorização de ações nos locais de trabalho mais críticos. No contexto da Baixada Santista, marcada por elevada concentração industrial, urbanização acelerada, desigualdade social e sazonalidade econômica, a notificação se torna ainda mais necessária para romper o ciclo de invisibilidade do adoecimento laboral.
ANÁLISE DA SÉRIE HISTÓRICA DA ABRANGÊNCIA DO CEREST DE CUBATÃO - 2007 A 2024
O gráfico apresentado mostra a evolução das Notificações Relacionadas ao Trabalho (SINAN) entre os anos de 2007 e 2024 para os municípios da área de abrangência do CEREST Cubatão: Cubatão, Guarujá, Bertioga, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe. A análise visual revela diferenças importantes na capacidade de vigilância, no perfil produtivo e possivelmente na organização dos serviços de saúde do trabalhador em cada município.
Cubatão-SP, representado pela linha laranja, apresenta uma trajetória claramente ascendente, com picos significativos em 2013, 2015 e novamente em 2024, quando atinge seu valor máximo (176 notificações). Essa evolução reflete a consolidação do município como polo industrial da região e sede do CEREST, além de sua maior capacidade técnica e institucional de notificação. Mesmo com oscilações pontuais, a tendência geral é de crescimento e liderança isolada em relação aos demais municípios.
Guarujá-SP (linha vermelha) também apresenta crescimento consistente, com destaque para o salto expressivo entre 2022 e 2023, quando as notificações praticamente dobram, chegando a 100 em 2024. Isso pode indicar o fortalecimento de ações de vigilância local ou o aumento da mobilização da rede notificadora, especialmente em setores com alta densidade ocupacional, como portos e comércio.
Itanhaém-SP (linha azul clara) mostra estabilidade com leve tendência de crescimento. Suas notificações mantêm-se na faixa entre 25 e 55 ao longo dos anos, com uma atuação regular da vigilância, ainda que sem os saltos observados em Cubatão e Guarujá. Já Peruíbe-SP (linha ciano) apresenta uma curva relativamente estável, com discretas variações ao longo dos anos e média entre 20 e 40 notificações, sugerindo uma atuação modesta da rede notificadora ou baixa demanda identificada.
Mongaguá-SP (linha rosa) e Bertioga-SP (linha laranja escura) são os municípios com menor número absoluto de notificações ao longo de toda a série. Suas curvas demonstram baixos patamares, com oscilações tímidas, o que pode refletir subnotificação crônica, fragilidade da rede de saúde do trabalhador, ausência de núcleos de vigilância ou dificuldades operacionais e estruturais nos sistemas locais.
De forma geral, o gráfico e a tabela histórica evidencia um padrão de desigualdade regional na capacidade de notificação de agravos relacionados ao trabalho. Enquanto alguns municípios avançaram na qualificação da vigilância e ampliaram suas notificações, outros permanecem com desempenho modesto, o que pode comprometer a análise real dos riscos ocupacionais e a formulação de políticas públicas eficazes.
Esse cenário reforça a importância da atuação coordenada do CEREST regional na capacitação contínua dos profissionais de saúde, no fortalecimento das redes locais de vigilância e na indução de uma cultura institucional de notificação como ferramenta de proteção à saúde dos trabalhadores.
A análise da série histórica dos dados de notificação na área do CEREST Cubatão entre os anos de 2007 e 2024 evidencia um crescimento relevante do número de registros, especialmente no município sede, Cubatão. Em 2007, foram registradas 33 notificações, enquanto em 2024 esse número saltou para 176, o que representa um aumento de mais de 430% em 17 anos. Esse crescimento pode ser parcialmente explicado pela expansão da capacidade técnica do CEREST, pela consolidação das normativas de notificação compulsória e pela intensificação das atividades de educação e articulação intersetorial. No entanto, também reflete a persistência de exposições ocupacionais perigosas, muitas vezes estruturais, em setores como indústria de base, transporte, construção civil, saúde e serviços públicos. Os demais municípios da área de abrangência apresentaram trajetórias distintas. Guarujá, com perfil industrial e turístico, manteve um volume relativamente alto de notificações, passando de 60 casos em 2007 para 100 em 2024. Já municípios com menor cobertura de vigilância ou maior grau de informalidade, como Peruíbe, Mongaguá e Bertioga, apresentaram baixos números absolutos de notificações durante toda a série histórica, o que pode refletir subnotificação, ausência de cultura de vigilância ou dificuldades operacionais no preenchimento e envio das fichas.
Complementando essa análise histórica, os dados mais recentes do Qualifica CEREST, relativos ao primeiro semestre de 2025, apontam para a consolidação de Cubatão como o principal polo de vigilância ativa na região. O município apresentou um coeficiente de incidência de acidentes de trabalho de 53,7 por 100 mil trabalhadores, enquanto os demais municípios da área de abrangência atingiram 12,5 por 100 mil. A incidência de doenças relacionadas ao trabalho foi de 3,3 em Cubatão e apenas 0,21 nos demais. Intoxicações exógenas relacionadas ao trabalho mantiveram coeficientes semelhantes entre os municípios, mas o indicador de violência relacionada ao trabalho foi três vezes maior em Cubatão (3,3) do que nos demais municípios (1,6). Esses dados confirmam que há, na cidade sede, maior capacidade de identificação, notificação e monitoramento dos agravos, o que também está relacionado à atuação histórica do CEREST local e à presença de uma rede intersetorial mais articulada.
Outro ponto importante destacado pelo Qualifica CEREST é a qualidade do preenchimento das notificações. Cubatão apresentou mais de 98% de preenchimento adequado do campo "ocupação", enquanto os demais municípios superaram os 90%, o que representa um avanço significativo em relação aos anos anteriores. No entanto, o campo "atividade econômica" ainda apresenta baixos índices de preenchimento, com 1,82% em Cubatão e 1,35% nos demais municípios, o que dificulta o cruzamento de dados com o setor produtivo e a caracterização dos nexos causais entre o trabalho e o agravo registrado. A persistência dessa lacuna revela a necessidade de capacitação contínua dos notificadores, de revisão dos processos de trabalho nas unidades notificadoras e de integração das bases de dados ocupacionais com os sistemas de informação em saúde.
A relevância das notificações para a formulação de políticas públicas de saúde e trabalho não pode ser subestimada. Por meio delas, é possível propor ações preventivas direcionadas a setores de alto risco, criar protocolos clínicos e de vigilância específicos, planejar campanhas educativas e até mesmo justificar a criação de leis municipais voltadas à proteção do trabalhador. As notificações alimentam bancos de dados utilizados por gestores de saúde, conselhos de saúde, sindicatos, universidades e órgãos de fiscalização, além de servirem como evidência técnica em processos judiciais relacionados a acidentes e doenças ocupacionais. No caso do CEREST Cubatão, os dados do SINAN têm sido fundamentais para orientar fiscalizações conjuntas, realizar análises de nexos causais, produzir boletins epidemiológicos e subsidiar o planejamento de ações de promoção da saúde do trabalhador em parceria com as secretarias municipais de saúde.
Entretanto, o fortalecimento da notificação como ferramenta estruturante da vigilância em saúde do trabalhador ainda enfrenta desafios relevantes. A subnotificação continua sendo um problema crônico, especialmente em municípios com menor densidade técnica ou baixa valorização institucional da área de saúde do trabalhador. A fragmentação entre os níveis de atenção à saúde, a ausência de devolutivas aos profissionais que notificam, a rotatividade de servidores e a carência de estratégias permanentes de formação são fatores que limitam a consolidação de uma cultura de vigilância. Além disso, a falta de padronização no uso de classificações ocupacionais, a inconsistência de dados e a desarticulação entre os sistemas de saúde, trabalho e previdência social enfraquecem o potencial analítico dos dados coletados.
Para superar essas dificuldades, é fundamental investir na qualificação permanente dos profissionais de saúde, no fortalecimento dos CERESTs como núcleos de educação e vigilância, na valorização das notificações enquanto ato clínico e de cidadania e na construção de redes regionais integradas que envolvam atenção básica, vigilância, centros especializados e controle social. A promoção da cultura da notificação exige não apenas normativas, mas sobretudo compromisso ético, clareza técnica e sensibilidade social diante da realidade vivida pelos trabalhadores.
Em conclusão, as notificações de agravos relacionados ao trabalho desempenham papel central na defesa do direito à saúde, no controle social e na construção de políticas públicas baseadas em evidências. Na região de abrangência do CEREST Cubatão, os dados disponíveis revelam avanços importantes na estruturação da vigilância em saúde do trabalhador, mas também expõem desigualdades e fragilidades institucionais que ainda precisam ser enfrentadas com firmeza e cooperação intersetorial. Reforçar a notificação é, em última instância, reafirmar o compromisso do SUS com a proteção da vida humana no trabalho e com a promoção de condições laborais dignas, seguras e saudáveis para todos.