Organização do Trabalho e a Ergonomia do Trabalho
A Norma Regulamentadora nº 17 (NR-17), que trata da ergonomia, reconhece que a forma como o trabalho é organizado impacta diretamente na saúde física e mental dos trabalhadores. Entre os aspectos considerados mais relevantes estão as normas de produção, os modos operatórios, a exigência de tempo, o ritmo de trabalho e o conteúdo das tarefas. A seguir, abordamos esses elementos de forma detalhada.
Normas de Produção
As normas de produção, sejam elas escritas ou não, explícitas ou implícitas, definem como a tarefa deve ser realizada. Elas abrangem desde a jornada de trabalho e suas pausas até a qualidade exigida do produto, o uso obrigatório de equipamentos e o mobiliário. A análise dessas normas ajuda a compreender as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, principalmente quando há contradições entre elas — por exemplo, exigências simultâneas de produtividade e segurança.
É comum que, para cumprir metas de produção, trabalhadores desconsiderem normas de segurança. Quando ocorrem acidentes, muitas vezes são classificados como “atos inseguros”, sem considerar o contexto que levou à transgressão. Além disso, a ausência de normas claras também pode gerar ansiedade, pois obriga o trabalhador a criar seus próprios meios para atingir os objetivos.
A gestão moderna por metas pode agravar essa situação. Bancários, por exemplo, têm metas de venda de seguros e devem criar estratégias próprias para cumpri-las. Em redes de lanchonetes, atendentes precisam convencer clientes a escolher produtos próximos do vencimento, sendo penalizados caso o produto seja descartado. Isso revela o esforço necessário para atingir metas que não dependem exclusivamente da vontade ou capacidade individual.
Modos Operatórios
Os modos operatórios referem-se às diferentes formas de realizar uma mesma tarefa, considerando a variabilidade do trabalho real: alterações na matéria-prima, no estado dos equipamentos ou nas condições psicofisiológicas dos trabalhadores. Esses modos podem ser prescritos (estabelecidos pela empresa) ou reais (estratégias criadas pelos trabalhadores para lidar com imprevistos).
Uma organização mais saudável é aquela que permite flexibilidade para o trabalhador ajustar a forma de realizar suas atividades. Essa liberdade, como poder alternar entre trabalhar sentado ou em pé, deve ser prevista inclusive na concepção do mobiliário.
Embora a padronização (como nos certificados ISO) seja importante para garantir qualidade, ela não pode ignorar a diversidade de situações reais. Muitas vezes, os trabalhadores recorrem a improvisações para manter a produção diante de falhas ou incidentes. Um exemplo clássico é a chamada “operação-padrão”, em que os trabalhadores seguem todas as normas ao pé da letra, tornando o processo moroso e ineficiente, como ocorre com controladores de voo em protestos.
A prática mostra que os resultados dependem da habilidade dos trabalhadores em contornar situações inesperadas. Quando ocorrem falhas ou acidentes, essas práticas são frequentemente apontadas como causa, embora sejam essenciais para manter o funcionamento do sistema.
Exigência de Tempo
A pressão por produtividade é uma realidade em diversas atividades. As exigências de tempo determinam quanto deve ser produzido em determinado período. Toda atividade humana se desenvolve dentro de um contexto temporal: horários fixos, duração da jornada, ritmo e frequência. No entanto, a produtividade de um mesmo indivíduo pode variar ao longo do dia, da semana e até dos anos.
As metas de tempo fixadas pelas empresas nem sempre consideram essas variações, e muitas vezes ultrapassam os limites humanos, provocando prejuízos à saúde, como os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho repetitivo. O ideal seria que as exigências de tempo considerassem a variabilidade e os imprevistos do processo produtivo, permitindo que o trabalhador tenha margem de autonomia para gerenciar seu ritmo de trabalho.
Ritmo de Trabalho
É importante distinguir entre ritmo e cadência. A cadência refere-se à quantidade de movimentos por unidade de tempo, enquanto o ritmo envolve a forma como esses movimentos são organizados. O ritmo pode ser livre, quando o trabalhador tem autonomia, ou imposto, por máquinas, esteiras ou formas de remuneração.
Mesmo nos casos de ritmo teoricamente livre — como no pagamento por produção —, os trabalhadores tendem a se autoacelerar, desrespeitando seus limites e provocando fadiga. Há também situações em que determinadas tarefas devem ser realizadas em horários fixos (como a compensação de cheques), o que gera sobrecarga em determinados momentos do dia.
Para avaliar corretamente a carga de trabalho, é fundamental considerar o contexto em que os movimentos ocorrem. A simples contagem de ações repetitivas não é suficiente para compreender o esforço exigido. Se o trabalhador não tem autonomia para alterar a cadência ou se há manutenção prolongada de posturas ou cargas, a sobrecarga é significativamente maior.
Conteúdo das Tarefas
O conteúdo das tarefas influencia diretamente a motivação e o bem-estar dos trabalhadores. Uma tarefa pode ser percebida como estimulante quando envolve criatividade, variedade e desafios, mas também pode ser monótona ou frustrante, especialmente quando está aquém das capacidades da pessoa.
A riqueza ou a pobreza das tarefas está diretamente ligada à percepção subjetiva do trabalhador, suas aspirações e seu contexto de vida. Esse aspecto se relaciona aos chamados fatores psicossociais, definidos como as percepções emocionais que os trabalhadores têm das condições organizacionais. Por exemplo, uma promoção pode ser interpretada como um reconhecimento, mas também gerar medo se o trabalhador se sente despreparado.
A análise ergonômica busca evidenciar os fatores que levam à sobrecarga física ou cognitiva e suas repercussões sobre a saúde, propondo mudanças necessárias. Para isso, é fundamental considerar as falas dos próprios trabalhadores e compreender que a transformação positiva do ambiente de trabalho exige, quase sempre, intervenções na forma como o trabalho está organizado.