Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho: uma realidade que precisa ser enfrentada


Os transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho vêm crescendo em importância no cenário da saúde pública. Trata-se de agravos à saúde que têm origem multifatorial e decorrem, sobretudo, das condições e da organização dos ambientes e processos de trabalho. Essa realidade envolve não apenas aspectos físicos e materiais, mas principalmente fatores psicossociais que impactam profundamente o bem-estar emocional dos trabalhadores.


Quando o trabalho é mal organizado — com ritmos acelerados, metas inalcançáveis, jornadas excessivas ou ambiente hostil —, surgem riscos que afetam diretamente a saúde mental. Esses fatores envolvem desde a forma de divisão das tarefas, a estrutura hierárquica e os sistemas de recompensa, até práticas abusivas, comunicação inadequada e ausência de participação nos processos decisórios. Além disso, a exposição a determinados agentes químicos, como metais pesados, solventes e agrotóxicos, também pode desencadear ou agravar transtornos mentais, como depressão e alterações de personalidade.


Ambientes e práticas de risco à saúde mental


Entre os principais fatores psicossociais associados ao sofrimento psíquico no trabalho estão:


- Exigências incompatíveis com as capacidades dos trabalhadores, sobrecarga, ritmo acelerado, longas jornadas e metas excessivas.

- Ambientes organizacionais rígidos e excludentes, sem espaço para participação ou reconhecimento.

- Violências sutis e explícitas, como assédio moral, sexual ou simbólico, práticas abusivas e relações de poder opressivas.

- Falta de clareza nas tarefas, ambiguidade de papéis, ausência de controle sobre as próprias atividades e sensação de inutilidade.

- Condições de vida inadequadas, como moradias precárias, longos deslocamentos, baixa renda, insegurança no emprego e contratos informais.

- Exposição a substâncias neurotóxicas, como chumbo, mercúrio, solventes, agrotóxicos, entre outros, especialmente em setores como a mineração e a agricultura intensiva.


Essas situações não dizem respeito a um único local, empresa ou setor, mas refletem uma lógica de organização do trabalho baseada na intensificação da produção e na desconsideração dos limites humanos.


Grupos mais vulneráveis


É importante destacar que nem todos os trabalhadores enfrentam essas adversidades da mesma forma. Grupos em condições mais precárias — como aqueles com baixa escolaridade e renda, vínculos temporários, sem proteção social ou em situação de informalidade — estão mais expostos e têm menos recursos para lidar com o sofrimento psíquico. Questões de gênero, raça, orientação sexual e outras desigualdades também acentuam essa vulnerabilidade.


Caminhos para a promoção da saúde mental no trabalho


As estratégias de enfrentamento devem ir além do cuidado individual. Embora seja fundamental acolher e tratar os trabalhadores afetados, a promoção da saúde mental exige mudanças estruturais nos ambientes e nos processos de trabalho. A Organização Mundial da Saúde recomenda que as ações sejam orientadas por três eixos principais:


1. Proteção à saúde mental, por meio da redução dos riscos psicossociais.

2. Promoção da saúde mental, desenvolvendo as capacidades e pontos fortes dos trabalhadores.

3. Atenção integral aos casos de adoecimento mental, independentemente da origem.


Responsabilidades compartilhadas


Ao SUS, cabe:


- Identificar os fatores de risco nos ambientes de trabalho e priorizar ações de vigilância em saúde mental.

- Desenvolver diretrizes normativas específicas para a vigilância de riscos psicossociais.

- Integrar os serviços de saúde mental à Rede de Atenção à Saúde do Trabalhador.

- Promover a notificação dos transtornos mentais relacionados ao trabalho e fortalecer os serviços de referência.

- Capacitar profissionais da saúde para lidar com os aspectos mentais do adoecimento relacionado ao trabalho.


Ao setor produtivo, é fundamental:


- Adotar uma cultura organizacional voltada ao cuidado integral.

- Reorganizar os ambientes e processos de trabalho, eliminando os fatores de risco psicossociais.

- Atuar junto aos Serviços Especializados em Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) e às Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA) para inserir a saúde mental como eixo central da prevenção.

- Criar espaços de escuta e acolhimento para trabalhadores em sofrimento.

- Combater todas as formas de assédio e discriminação.

- Realizar capacitações sobre saúde mental e promover ações educativas constantes.

- Substituir produtos químicos que possam gerar sofrimento ou transtornos mentais.


Aos trabalhadores, compete:


- Participar ativamente das capacitações e das ações de promoção à saúde mental.

- Buscar os serviços de saúde, como os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), sempre que necessário.

- Contribuir com sugestões e participar dos processos de reestruturação organizacional.

- Cultivar o autocuidado e o respeito mútuo, fortalecendo redes de apoio dentro do ambiente de trabalho.

- Construindo ambientes de trabalho saudáveis


A prevenção dos transtornos mentais relacionados ao trabalho é um compromisso coletivo que exige responsabilidade compartilhada entre trabalhadores, gestores, profissionais de saúde e o poder público. Investir em ambientes de trabalho mentalmente saudáveis não é apenas uma questão ética, mas também uma medida eficaz para aumentar a produtividade, reduzir afastamentos e promover qualidade de vida. A transformação começa pela escuta, passa pela reorganização e se consolida com o compromisso genuíno com a dignidade do trabalho humano.


Se você está em sofrimento relacionado ao trabalho, procure orientação. O CEREST pode te ajudar. Sua saúde mental importa!


Fonte: 


BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. 6. ed. rev. v. 3. Brasília: Ministério da Saúde, 2024