Em alguns ambientes de trabalho, observa-se que determinados trabalhadores demonstram desconforto acentuado ao utilizar uniformes, etiquetas, coletes, luvas ou outros Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Esse comportamento — como ajustar constantemente o uniforme, retirar luvas com frequência ou recusar o uso — pode estar relacionado à hiperreatividade sensorial, característica comum em pessoas neurodivergentes, especialmente autistas.

 

O que é a hiperreatividade sensorial?

 

A hiperreatividade sensorial é uma resposta intensa e desproporcional a estímulos táteis, visuais, sonoros ou olfativos. No caso das texturas de tecidos e EPIs, o contato pode gerar incômodo físico, coceira, ansiedade ou distração, prejudicando o bem-estar e o desempenho no trabalho.

Essas reações não se tratam de “frescura” ou “resistência ao cumprimento das normas”, mas de uma condição neurobiológica legítima*, reconhecida pela ciência e pelas políticas de inclusão.

 

EPIs: direito e dever

 

Conforme as Normas Regulamentadoras (NRs), as empresas têm a obrigação de fornecer gratuitamente os EPIs adequados às atividades desenvolvidas, garantindo sua qualidade, conforto e segurança.

Entretanto, a aceitação do trabalhador é parte essencial da eficácia do EPI: o equipamento só protege se for usado de forma adequada e contínua. Portanto, a participação dos trabalhadores na escolha e aprovação dos EPIs é fundamental, especialmente quando há relatos de desconforto, irritação de pele ou sensibilidade tátil.

 

Neurodiversidade e direitos humanos no trabalho

 

A neurodiversidade reconhece que existem diferentes formas de funcionamento cerebral — como no autismo, TDAH e outros perfis — e que todas devem ser respeitadas e incluídas no ambiente laboral.

Esse princípio está em consonância com:

 

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) – Art. 1º e 23º: todos têm direito à dignidade, igualdade e condições justas de trabalho.

Constituição Federal Brasileira (1988) – Art. 1º, III e Art. 7º, XXXI: assegura a dignidade da pessoa humana e proíbe qualquer forma de discriminação no emprego.

Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) – garante acessibilidade, adaptações razoáveis e inclusão no ambiente de trabalho.

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (Decreto nº 6.949/2009) – determina que os Estados e empregadores adotem medidas para assegurar condições equitativas de trabalho e ambientes acessíveis.

 

Responsabilidade das empresas

 

As empresas têm papel decisivo na promoção de um ambiente inclusivo e humanizado, devendo:

 

1. Oferecer EPIs variados, priorizando modelos mais confortáveis, sem etiquetas internas, com tecidos macios ou sem costuras irritantes.

2. Consultar os trabalhadores sobre o conforto e adequação dos equipamentos.

3. Realizar avaliações psicossociais e ergonômicas, identificando desconfortos e promovendo ajustes.

4. Evitar punições ou estigmatização de trabalhadores com sensibilidade sensorial, buscando soluções adaptadas.

5. Promover capacitação das lideranças e equipes de segurança e saúde sobre neurodivergência e inclusão no trabalho.

 

Garantir que todos possam exercer suas funções com segurança sem sofrimento físico ou sensorial é uma questão de dignidade, saúde e cidadania. A inclusão verdadeira acontece quando o cuidado com a pessoa é parte central das práticas de gestão e da política de segurança e saúde no trabalho.